Cada um com o seu.

Todo mundo tem um prazer secreto na vida.
Às vezes dois ou três, acho até que tem gente que tem bem mais que isso.
Não digo coisas ilegais, imorais ou impublicáveis (que engordam está valendo, como não?), mas aquelas pequenas alegrias que aliviam os estresses da vida e adoçam o dia. Ou certos hábitos, atos e caprichos que a gente curte sozinho mesmo e não comenta muito para, você sabe, evitar comentários... Você tem?
Eu tenho, claro. Eu adoro passear na feira ou no supermercado de manhã, em dia de semana. Escolher frutas e verduras fresquinhas, já fazendo planos para mais tarde, dar conselho para a dona de casa perdida, bater papo à toa com a moça da limpeza, ouvir a dica do dia feirante, fazer testes e pensar que enquanto estou ali tem um monte de gente fechada em escritórios... ah! Isso faz a vida ganhar leveza e ter mais sentido! É a vida em outro ritmo, outro tom! Não é o meu tom habitual, não é a minha rotina, está mais para um prazer secreto e extemporâneo, mas eu amo toda vez!

Só não pode ir em dia de promoção de hortifruti. Aí o caldo engrossa. A velhinha não conversa com você, a moça da limpeza estará super ocupada e o feirante estará mais interessado em repassar tudo logo ao comprador mais habilitado. Sim, porque aí é uma questão de oportunidade, não é qualquer um que consegue um lindo tomate num dia desses. Você precisa aproveitar o desconto!
Anos atrás, eu nem sabia que era assim. Cheguei suave para um tranquilo passeio, lista de compras pequena, aproveitarei e olharei frutas e verduras, pensei, inocente. Cheguei lá e já notei a movimentação mais intensa. Sou gentil, deixei todos passarem e vi, de canto, a caixa do tomate chegando. Fui até lá, despretensiosa.
Mas assim que o moço encostou a dita cuja no chão, uma avalanche de mulheres e homens surgiram diante de mim. Olhei assustada, procurando entender o que havia ocorrido. A senhorinha me viu parada olhando e soltou um “se não vai comprar, dá licença”. E lascou-me uma cotovelada sem dó. A outra riu e seguiu atrás. Subitamente já não estou ao lado da caixa e também já perdi meus sacos plásticos. Meio sem reação, procurei me aproximar novamente, agora já com poucas pessoas em volta do precioso fruto. Mas era em vão. A caixa só já tinha as sobras no fundo, esmagadas pelo furor das amigas donas de casa.
O que aconteceu aqui, gente? O moço sorriu para mim é disse: é dia de promoção de hortifruti, bebê. É sempre assim.
“Bebê” a parte, agradeci a explicação. Anotei o dia: quarta-feira – não volto nunca mais aqui nesse dia.
Mas sabe como são os prazeres secretos, né? Eles não te deixam.
E semana seguinte, na primeira folga, lá estava eu de novo, evidentemente em outro dia da semana porque eu aprendo com a vida. Passeei, comprei itens diversos, olhei preços, conversei com os transeuntes. E fui sendo atraída para os vermelhinhos tomates de novo. E eles estavam lá, lindos, reluzentes, firmes – e o dobro do preço. Realmente vejo agora que as senhorinhas tinham um pouco de razão, penso resignada, sentindo levemente ainda a cotovelada na barriga e no coração.
Mas comprei mesmo assim, por que o que seria de um prazer secreto se fosse muito simples e barato?
Semana que vem, eu penso, vou mesmo é na fonte, na feira. E aí, meu bem, se tiver pastel então, aí é só felicidade!
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Obs. 1: Não voltar em dia de promoção foi, claro, uma decisão de muitos anos atrás, antes de eu ser a dona da casa e também gostar e saber dar valor às promoções. Hoje talvez você me encontre do outro lado da disputa.
Obs. 2: Tenho vários prazeres secretos alimentares. Moça com alergias e questões intermináveis com a alimentação desde muito cedo, não teria como ser diferente. Pudim e farinha láctea com certeza estão no top 5. Não me julgue.
Obs. 3: Esse texto foi escrito em 21/05/2019. De lá para cá, o gosto por feiras e supermercados continua, só talvez já não tão secreto. As questões alimentares, no entanto, essas só aumentam...
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