Da varanda
- Juliana Machado
- 1 de ago.
- 3 min de leitura

Todo dia ele fazia seu café pela manhã e ia tomá-lo na varanda do apartamento. Fazia tempos que gostava de iniciar seu dia nesse ritmo mais sossegado. Sua vista não era das mais privilegiadas, mas se ele se esticasse um pouco, dava para ver o horizonte ali por entre os prédios. E sempre tinha uma brisa bem agradável. Eram uns 10 minutos preciosos.
Dali ele costumava se perder olhando os prédios em frente. As varandas de famílias com filhos iniciavam o dia a todo vapor e sempre sobrava uma bagunça empurrada para aquele espaço externo. Os recém-casados levantavam juntos e tinham a casa sempre bem arrumada, varanda inclusive. Os jovens muitas vezes estavam chegando em casa naquele horário, já os idosos estavam bem na sua terceira atividade quando ele chegava com o café. Mas o que ele mais gostava de ver eram os apartamentos com plantas. Gostava de observar os rituais de rega, poda, movimentação em razão do sol. Ele mesmo não tinha sucesso com plantas, então curtia ver o desenvolvimento das dos outros.
Talvez por isso notou logo quando o apartamento bem em frente ao seu passou por uma breve reforma. Ele viu que a varanda ganhou muitos suportes e apetrechos de plantas e entendeu que ganharia um vizinho amador das verdinhas. Dito e feito. Alguns dias depois as plantas chegaram e pouco depois a nova moradora também se mudou. No dia seguinte à sua mudança, estava ele no fim da sua pausa para o café, quando ela começou a regar suas plantas e ajustá-las no novo espaço. Ela também tinha uma caneca em suas mãos. Ele ficou ali, hipnotizado pelo cuidado dela.
De repente, ela olhou em sua direção. Talvez tivesse se sentido observada. Pego assim em flagrante, não soube bem como reagir. Mas sorriu e levantou a sua xícara, como quem brinda ao novo dia. Para sua surpresa, ela sorriu de volta e levantou também sua caneca. Nos dias que se seguiram, eles repetiram aquele gesto simpático.
Com o tempo, ele passou a mostrar para ela as nuances dos demais apartamentos e transeuntes, indicou os simpáticos, os problemáticos, os do mundo da Lua. Ajudou-a também a entender a incidência do sol, da brisa. Contou fofocas da rua, notícias, eventos. As mímicas que ele fazia a entretinham e ela ria discretamente entre uma rega e outra. Será que se entendiam mesmo? Difícil dizer, mas quando dava seu horário, ele dava tchau e seguia a sua rotina. Ela parecia que continuava ali por mais um tempo.
Meses se passaram. Se acostumaram à presença um do outro.
Um dia ela não apareceu. Ele estranhou, mas faz parte, não sabia nada da vida dela mesmo. Mas quando isso se repetiu, ele ficou preocupado. Chegou a pensar em ir ao seu prédio e perguntar, pedir que alguém fizesse uma checagem, mas desistiu, não saberia como explicar a sua relação com ela sem parecer um louco.
Após uma semana mais ou menos, ela apareceu novamente, como se nada tivesse acontecido. No entanto, estava acompanhada de um homem e pareceu constrangida em conversar com ele, observar suas mímicas ou mesmo ficar ali sob seu olhar atento. Saiu, rapidamente. Ele não entendeu direito, mas ficou aliviado de ver que ela parecia bem. Foi assim nos outros dias também, quando ela se demorava um pouco mais ali já não o cumprimentava. Constrangido, ele também reduziu seu tempo na varanda.
No domingo ele se pegou fazendo seu café e tomando na cozinha mesmo, em pé. Contrariado e se sentindo preso em sua própria casa, resolveu sair e passear. Passaria na padaria da rua e de quebra tomaria um café diferente, para variar um pouco e se sentir livre e dono de si novamente.
Na fila do pão, ele a encontrou. Moravam na mesma rua fazia meses e nunca tinham se encontrado, que surpresa era ela ali. Olhou absorto, como se fosse impossível aquele encontro, como se ela só existisse naquela varanda. Oi, ela disse sorrindo. Olá, ele respondeu respeitoso.
- Não tenho tido tempo para cuidar das minhas plantas. Meu irmão está comigo esses dias e tem consumido meu tempo livre.
Ele sorriu de volta, já mais animado ante à referência ao irmão.
— Acontece. Mas não deixe de olhar sua flor de maio. Ela parece sentir sua falta, anda um pouco descolorida. — respondeu ele, galante.
— Eu vou, pode deixar, obrigada!
— Você... tem tempo para um café agora?
— Aqui?
— Tem problema?
— Não, nenhum na verdade. Mas, olha, sou mesmo da turma do chá.
Ambos sorriram.
— Fique à vontade!
E lá foram eles, cada um na sua.



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