Desmontar ou construir
- Juliana Machado
- 1 de jul.
- 3 min de leitura
Desmontando e construindo!

O dia de trabalho havia acabado e ele, feliz, voltava para sua casa. Queria muito encontrar sua esposa amada e filhas queridas.
Mas, ao chegar, encontrou algo muito suspeito e desconcertante - um silêncio profundo, uma quietude tal que quem tem criança pequena em casa sabe que só podia significar uma coisa: encrenca.
Ele caminhou ao escritório e encontrou a cena armada: a filha debruçada por sobre o ventilador, todo desmontado. Ela o olhou e sorriu, satisfeita:
- Papai, olha que engraçado o ventilador é por dentro. Sabia que é esse motorzinho que faz ele funcionar?
Ele olhou as peças no chão e pensou “nunca mais vou conseguir fazer esse ventilador funcionar de novo... Vai ficar ali no canto, junto com o liquidificador, a calculadora e a mesa da semana passada...”
É que a filha querida, o que tinha de danada tinha de curiosa. E estava na fase dos eletroeletrônicos. Bom, talvez porque esses ela conseguia carregar da altura dos seus 8 anos. E graças a Deus, porque ele bem viu ela de olho comprido para a geladeira nova da casa no outro dia.
O gasto extra e as coisas desmontadas não lhe agradavam nada. Afinal, era o dinheiro suado dele, as horas longe de casa e da família que compravam aquelas coisas. Ele suspirou e apreciou a cena: sua filha, orgulhosa de si, entre peças, ferramentas e máquinas. Não é que ela não brincasse de boneca, ela brincava sim (e também as desmontava), mas é que ela não se limitava a isso - aliás, ela não se limitava a nada. Do mesmo jeito que brincava de bonecas, jogava bola, montava quebra-cabeça e, claro, mexia nos equipamentos da casa. E disso ele tinha muito orgulho.
Seria esse o futuro profissional dela? Não sabia dizer, ela tinha tantos interesses quanto talentos... Mas sabia ele que ali, naquele momento, ela estava concentrada e feliz.
Ele não conhecia Maria Montessori, mas sabia que aquilo era precioso. Se o custo eram alguns equipamentos quebrados, valia a pena, concluiu algo entre resignado e satisfeito.
- Filha, mas depois você monta de novo pro papai? É que eu vou precisar desse ventinho mais tarde...
- Claro, pai. Fica tranquilo. Eu só preciso ainda descobrir como a energia passa dali para cá e faz tudo rodar...
E os olhos dela se fixaram na tomada na parede.
- Nãããããõooooo. Aí não pode, filha!
- Ah, pai! Porque?
- Ué, porque aí você leva choque.
- Mas será que dói muito? Como os construtores fazem?
E pronto, ali ele teria que traçar um limite enfim. Eletricidade não pode, filha, ao menos não ainda... e mesmo esse limite ela se esforçaria por transpor depois, numa dança que durou muitos anos, se é que já acabou.
E ela seguiu ali, concentrada na sua brincadeira (Montessori chamaria de trabalho mesmo e eu concordo). Depois de algumas horas, ela entregou o ventilador montado ao pai, conforme prometido.
- Pronto, papai. Consegui montar ele todinho de novo para você. Só sobraram essas 3 pecinhas...
Ele riu, já imaginando qual seria a próxima vítima da sua pequena exploradora.
Essa história não tem um final brilhante de uma menina virando engenheira mecânica ou especialista em robótica. Mas é baseada em fatos quase reais e findou numa mulher que não vê bem limites ou proibições, mas desafios. E vai superando todos eles. Danada. Perguntada outro dia, só lembrou de ninguém brigar com ela pelas suas iniciativas. E isso sim constrói.
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Obs.: Quem o conhece sabe bem que nem sempre eram flores, mas que as filhas eram o motor dos seus dias e que ali havia, além de muito amor, projeto e intencionalidade. Quem me conhece sabe também que não sou eu a moça da história. Não gosto de máquinas e nem elas de mim. E quem a conhece sabe de cara que é dela de quem estou falando e que sortudo é quem a conhece e lhe tem em seus dias.
Não conhece a minha? Olhe em volta, certeza que você tem também uma perto de você. Vai lá, ajude-a a construir o mundo, um ventilador desmontado por vez.

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