O começo de um novo tempo.

Tá boa, bem?
Eu estava para escrever faz dias, mas sabe como é a vida de mãe, né? Tem dias de luta e dias de glória, mas no fim do período da seca aqui no meu quadradinho é dias de virose e dias de sinusite mesmo. A gente faz o que dá.
Não consegui escrever...
As ideias vão pululando na minha cabeça e eu até me esforço para não deixar nenhuma fugir, sem muito sucesso...
Fui então reler texto antigo para ver se lembrava a linha que estava desenvolvendo e lembrei da Eleanor. Lembra dela? Ela foi fundamental na aprovação da Declaração Universal de Direitos Humanos, a DUDH, eu te contei aqui ó.
Lá naquela ocasião eu disse: vamos começar do começo e apresentei a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a DUDH. Mas eu falei mesmo foi dela, a maravilhosa, porque ela estava lá e foi responsável em grande parte por esse começo.

O que eu não falei direito foi sobre esse começo. Então vou aproveitar agora e te contar.
Desde que o homem é homem, ele quer direitos.
O escritor Yuval Noah Harrari, no livro Sapiens, trata os direitos humanos como uma ficção, no sentido de que eles não são um dado da natureza, mas uma construção social, que depende que compartilhemos essa crença para que ela possa existir e se consolidar como um fato. Ele disse:
“No entanto, nenhuma dessas coisas existe fora das histórias que as pessoas inventam e contam umas às outras. Não há deuses no universo, não há nações, não há dinheiro, não há direitos humanos, não há leis e justiça fora da imaginação compartilhada de seres humanos.”
Eu entendo o pensamento dele. O direito não é um dado da natureza mesma, mas um processo de reconhecimento dos valores que dividimos e aqueles que valem registrarmos como devidos e aqueles que vamos deixar para a esfera da liberdade de cada um.
Eu posso escolher, por exemplo, passar um batom roxo para ir trabalhar. Eu não fico bem de roxo, as pessoas vão me olhar estranho, mas tudo bem, eu posso fazer isso - está no campo da minha liberdade individual. Eu, no entanto, não posso escolher ouvir música altíssima no meu apartamento durante a noite - há uma regra, coletivamente acertada, de que o barulho à noite precisa ser reduzido. Se eu infringir essa regra, serei penalizada.
Então desde o início o homem... não, vamos trocar isso... desde o início, as pessoas lutaram por direitos humanos. No começo foi a propriedade privada, depois a vida, a saúde, trabalho. A história das sociedades é a história das lutas por direitos (mesmo que em alguns casos nós não concordemos com os direitos alegados, tipo nas guerras).
Quando eu estudei essa parte mais antiga das referências históricas aos direitos humanos fiquei besta de ver como são antigos, escritos na pedra mesmo. Que doido, né? Até hoje ainda não acertamos bem isso, rs.
Mas é claro que isso foi evoluindo de acordo com a própria evolução das sociedades, suas concepções sobre direitos, deveres, humanos. A Revolução Francesa, por exemplo, deu um grande avanço, com o seu documento Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mas excluíram as mulheres e os estrangeiros. A Revolução Americana também deu passos significativos, mas além de também excluir estrangeiros, ainda tinha a escravidão...
Então faltava um documento que fosse mais amplo, e que trouxesse em seu sentido o conceito de direitos humanos como aquele grupo de direitos que protege a dignidade humana.
Foi o que a Eleanor trabalhou para nós.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, a DUDH, foi o primeiro documento global que incluiu todas as pessoas, todas mesmo. É humano? Então está dentro. Olha o primeiro artigo dela:
Artigo 1
Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Lindo, né? Também acho.
A DUDH foi oficializada em 1948 e tem 30 artigos, todos nesse jeitão desse artigo aí, ou seja, bem amplos e genéricos.
Ela não tem força coercitiva, ou seja, ela não tem força de lei. Ela é uma carta de intenções, um documento que diz que quem assina ela não está obrigado a cumprir tudo o que tem ali, mas que se interessa, se preocupa e vai se esforçar para cumprir.
Parece pouco?
Não é. Pensa em como o mundo era naquela época. A Segunda Guerra tinha acabado fazia muito pouco tempo e seus horrores ainda estavam muito vivos na cabeça de todos. Nos Estados Unidos, os negros não tinham direitos civis; na África do Sul ainda tinha apartheid, aquele sistema em que negros eram oficialmente separados dos brancos; ainda havia nações inteiras como colônias de outros países, as mulheres na ampla maioria dos países não tinham direitos políticos; ser gay era crime passível de pena de morte; tortura era aceitável, e por aí vai.
Pensa se algum país iria aceitar se comprometer com um documento que mexeria tão profundamente em tantos aspectos da sua sociedade?
Ninguém iria assinar e o movimento se enfraqueceria, ao invés de se fortalecer.
Eleanor viu isso, todos os envolvidos na luta viram isso. E optaram pelo formato de declaração.
Isso foi inteligente. Porque sem a obrigação de cumprir todas as regras, os países ficaram mais suscetíveis a assinar o documento. E, após assinado pela ampla maioria dos países, o documento serviu de base para novos tratados, acordos, julgamentos. Seu peso foi se ampliando e hoje embora continue sendo uma declaração, suas normas têm força e validade. Nossa Constituição, por exemplo, foi amplamente baseada nela.
É assim que a luta e a conquista de direitos humanos avançam. É devagar, mas avançam.
A DUDH também teve o objetivo de definir conceitos que já constavam da própria Carta da ONU, como liberdades fundamentais e direitos humanos, que eram termos que constavam lá, mas que não se tinha consenso sobre o seu significado. Conceitos importam sempre.
Foi um canadense o responsável pelo primeiro rascunho da DUDH, o John Peters Humphrey. Depois foi feita uma comissão para desenvolver os trabalhos, na qual vários países tiveram representantes. Infelizmente o Brasil não fazia parte dela.
Ela foi levada à aprovação da Assembleia Geral da ONU, aquele momento em que todos os países se reúnem na sede da organização para discutir os temas relevantes do momento, no dia 10/12/1948. Das 58 delegações presentes, 48 assinaram a favor 8 se abstiveram e 2 delegações simplesmente não votaram. O Brasil foi favorável.
Até hoje 193 países a assinaram, ou seja, a totalidade dos países participantes da ONU. Imagina um consenso desses? Sucesso.
A DUDH tem nela a generalidade dos direitos humanos. É o melhor caminho para iniciar estudos numa área específica ou para entender o aspecto global do assunto.
Depois dela e dos seus pactos posteriores, vêm as normas especializadas, ou seja, aquelas que cuidam de grupos ou assuntos específicos como crianças, mulheres, indígenas, igualdade racial e por aí vai.
A caminhada ainda é longa, mas também é bonito de ver o quanto se avançou de 1948 para cá.
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Obs. 1: Em 1966, por conta dos avanços da DUDH, 2 documentos novos foram aprovados: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais – esses sim tratados de verdade, que detalham as normas já previstas na DUDH. Juntos eles constituem a base normativa do sistema global de direitos humanos. Eu volto neles um dia.
Esse é o sistema global, aquele que a ONU coordena e diz respeito ao mundo todo. Mas nós temos também o sistema regional e o nosso, o americano, é muito rico também. Volto a ele um dia também.
Obs. 2: Caso interesse, deixo aqui o texto da DUDH. Esses considerandos que têm no início são comuns em textos internacionais e são formas de nortear a interpretação das normas. Acho bonito.
Declaração Universal dos Direitos Humanos
Adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas (resolução 217 A III) em 10 de dezembro 1948.
Preâmbulo
Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo,
Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da humanidade e que o advento de um mundo em que mulheres e homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum,
Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão,
Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações,
Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do ser humano, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos do homem e da mulher e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,
Considerando que os Países-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do ser humano e a observância desses direitos e liberdades,
Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
Agora portanto a Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade tendo sempre em mente esta Declaração, esforce-se, por meio do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Países-Membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo 1Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo 21. Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. 2. Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
Artigo 3Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
Artigo 4Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.
Artigo 5Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.
Artigo 6Todo ser humano tem o direito de ser, em todos os lugares, reconhecido como pessoa perante a lei.
Artigo 7Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação.
Artigo 8Todo ser humano tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei.
Artigo 9Ninguém será arbitrariamente preso, detido ou exilado.
Artigo 10Todo ser humano tem direito, em plena igualdade, a uma justa e pública audiência por parte de um tribunal independente e imparcial, para decidir seus direitos e deveres ou fundamento de qualquer acusação criminal contra ele.
Artigo 111.Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa. 2. Ninguém poderá ser culpado por qualquer ação ou omissão que, no momento, não constituíam delito perante o direito nacional ou internacional. Também não será imposta pena mais forte de que aquela que, no momento da prática, era aplicável ao ato delituoso.
Artigo 12Ninguém será sujeito à interferência na sua vida privada, na sua família, no seu lar ou na sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Artigo 131. Todo ser humano tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado. 2. Todo ser humano tem o direito de deixar qualquer país, inclusive o próprio e a esse regressar.
Artigo 141. Todo ser humano, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e de gozar asilo em outros países. 2. Esse direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 151. Todo ser humano tem direito a uma nacionalidade. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua nacionalidade, nem do direito de mudar de nacionalidade.
Artigo 161. Os homens e mulheres de maior idade, sem qualquer restrição de raça, nacionalidade ou religião, têm o direito de contrair matrimônio e fundar uma família. Gozam de iguais direitos em relação ao casamento, sua duração e sua dissolução. 2. O casamento não será válido senão com o livre e pleno consentimento dos nubentes. 3. A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.
Artigo 171. Todo ser humano tem direito à propriedade, só ou em sociedade com outros. 2. Ninguém será arbitrariamente privado de sua propriedade.
Artigo 18Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; esse direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto em público ou em particular.
Artigo 19Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Artigo 201. Todo ser humano tem direito à liberdade de reunião e associação pacífica. 2. Ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação.
Artigo 211. Todo ser humano tem o direito de tomar parte no governo de seu país diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos. 2. Todo ser humano tem igual direito de acesso ao serviço público do seu país. 3. A vontade do povo será a base da autoridade do governo; essa vontade será expressa em eleições periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou processo equivalente que assegure a liberdade de voto.
Artigo 22Todo ser humano, como membro da sociedade, tem direito à segurança social, à realização pelo esforço nacional, pela cooperação internacional e de acordo com a organização e recursos de cada Estado, dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis à sua dignidade e ao livre desenvolvimento da sua personalidade.
Artigo 231. Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2. Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho. 3. Todo ser humano que trabalha tem direito a uma remuneração justa e satisfatória que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social. 4. Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e a neles ingressar para proteção de seus interesses.
Artigo 24Todo ser humano tem direito a repouso e lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e a férias remuneradas periódicas.
Artigo 251. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozarão da mesma proteção social.
Artigo 261. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do ser humano e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.
Artigo 271. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios. 2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Artigo 28Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados.
Artigo 291. Todo ser humano tem deveres para com a comunidade, na qual o livre e pleno desenvolvimento de sua personalidade é possível. 2. No exercício de seus direitos e liberdades, todo ser humano estará sujeito apenas às limitações determinadas pela lei, exclusivamente com o fim de assegurar o devido reconhecimento e respeito dos direitos e liberdades de outrem e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática. 3. Esses direitos e liberdades não podem, em hipótese alguma, ser exercidos contrariamente aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Artigo 30Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos.
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