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ENSAIOS

de escrita, culinária, economia e finanças, bem-estar e reflexões sobre parentalidade

Foto do escritorJuliana Machado

As filhas e as regras

Atualizado: 14 de set.

Ou a crise dos bises


A gente tinha tido uma tarde muito agradável numa festinha de aniversário. Eu, meu digníssimo e as crias. Companhia boa, comidinha melhor ainda, animação e barulho. Tudo tranquilo e esperado. De diferente, apenas a decisão da mãe da aniversariante de liberar desde cedo uma mesa de doces a fim de não ter que ficar vigiando os pequenos ao redor do bolo. Ousada a moça, eu pensei na hora.

Claro que tinha salgadinho, pipoca, sucos e tudo o mais. Mas pensa você se você é uma criança que vive numa casa em que há restrição a docinhos se existe dúvida no que você vai basear sua alimentação naquela tarde? Não, não existe. E eu tenho uma regra básica, fundamental no meu maternar: eu escolho as minhas batalhas, ou seja, eu avalio bem a chance de eu vencer a disputa e o preço que pagarei por aquela vitória. Naquele caso, a vitória era improvável e, ainda que viesse, o custo seria altíssimo. Deixei rolar.


Nada de surpreendente aconteceu. Não existem milagres na educação de crianças, rs. Cecília se encheu de doces o quanto pode e, se algum salgado entrou naquela boca, eu não vi. Alice, que ainda ficava mais com a gente do que solta por aí, e não havia vivido o suficiente para ser mais fã de docinhos, não comeu nada mesmo. Zero surpresa também.

Na volta para casa, lembrancinhas nas mãos, entramos no carro. As duas meninas exaustas do tanto que brincaram, abriram as lembrancinhas e ali havia ainda mais docinhos. Cecília implorou para comer ali mesmo. Eu achei que era hora de colocar um limite, afinal já tinha sido a tarde toda de doces. Expliquei, esclareci, prometi ceder no dia seguinte. A menina desandou a chorar. Tentei de novo, disse que aquele comportamento já era fruto dos doces de antes e do cansaço, que ela precisava comer algo saudável para equilibrar. E mais choro. Silenciei. Ela, depois de uns minutos, também.


De repente, um grito e um choro mais forte novamente. Que foi, filha? Pelo amor de Deus não me assuste assim! Chorando descontrolada, ela aponta a irmã e fala, entre choro, lágrimas e desespero: A Alice está comendo a lembrancinha dela!!!

Estava escuro, e naquele exato momento havíamos parado perto de um poste de luz. Com a luz em cima dela, Alice foi revelada, calmamente se lambuzando toda, mas eu digo toda mesmo, com um bis que encontrou na lembrancinha. Ou seja, enquanto eu explicava e reafirmava o não para a filha mais velha, que chorou mas obedeceu, a mais nova se esmerava para soltar os nós da sua lembrancinha e sem a menor vergonha ou crise de consciência traçou o bis, ora vejam só!

Eu não sabia se ria ou chorava. Mas como você já sabe, eu escolho as minhas batalhas e, naquele momento, eu também cansada, cedi. Vai, filha, come você também então. Mas só um bis (e aí eu desobedeci a outra regra familiar e tradição de décadas de que bis a gente só come de 2, mas um problema de cada vez)! Era uma questão de honra manter algum limite por ali! Cabeça de mãe tem cada uma, né?



E foi assim, meus amigos, que rapidamente entendi que precisaria avaliar muito bem as regras que gostaria de fazer valer na minha casa, porque se é natural aos mais velhos obedecer ainda que reclamando, os mais novos às vezes nem se tocam que estão desobedecendo porque sequer consideraram aquela regra.

É... o mundo que se prepare!


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Obs. 1: Você pode estar pensando que essa história aconteceu assim porque minhas filhas eram mais novinhas e, de fato, faz tempo que ela aconteceu. Mas lembrei dela porque ontem mesmo, passado tanto tempo (e a regra dos doces mudou um pouco mas razoavelmente se manteve), ela se repetiu por aqui. Elas ganharam um doce daqueles beeeeemmm industrializados e eu disse: só de sobremesa e para quem comer bem (essa é a regra, aliás). A mais velha guardou o dela e se distraiu e, quando viu, a mais nova já vinha com o pacote dela pela metade, mesmo tendo sido avisada várias vezes de que não podia. E na carinha dela a gente via zero abalo, culpa ou vergonha, ela nem esconde! Rs Vendo pelo lado bom, ela não mente e é autêntica. E sim, eu deixei de novo a mais velha comer o dela também. Fazer o que, né? Alguém tem que ceder. E eu escolho as minhas batalhas.


Obs. 2: Sim, eu sei que a foto do post não é de bis. Juro que procurei uma e não achei. Eles não sabem o que é bom…

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