Os imigrantes, as deportações e nós
- Juliana Machado
- 5 de fev.
- 5 min de leitura

Não sei vocês, mas notícias sobre deportações sempre me entristecem muito. É um sonho que se esvazia, um futuro que some, uma realidade duríssima que se impõe a quem, em regra, só queria uma chance de viver um pouco melhor...
Fico imaginando se fosse eu, na busca por condições dignas para viver com meu marido e filhas...
Sabe, sempre achei meio sem sentido o conflito com imigrantes. Historicamente, em qualquer direção que você olhe, eles vêm em busca de condições melhores de vida, querem trabalhar e aceitam condições que normalmente os nacionais não aceitam. Serve para o Brasil colonial, para os EUA atual, mas também dentro da Europa e Ásia na sua história milenar.
Gente ruim, claro, existe em todo lugar e não é privilégio de nenhuma nacionalidade. Mas como movimento, os imigrantes são uma força produtiva barata e eficaz.
Então eu acho muito difícil entender a resistência à presença deles em qualquer país que seja. Não digo que todos precisam abrir as portas para que entre quem queira entrar simplesmente, regras são sempre bem-vindas na organização de uma sociedade. No entanto, quando a única saída apresentada como possível é a mais severa delas – a deportação sem processo legal ou garantias humanitárias – sinto que falhamos em entender os fatos e os contextos de verdade.
E, sempre que eu paro para pensar no assunto, concluo que recusar direitos aos imigrantes, mandá-los embora porque a terra é dos nativos dela, é ter que devolver a América por exemplo aos indígenas, únicos originários de verdade daqui. Todo o resto, de alguma forma, veio ou descende de quem veio de fora.
Assim, essa espécie de preconceito, como em regra todas as outras, não faz sentido algum.
E se não faz sentido algum, mas existe, é porque tem algo mais aí... sempre tem.
Países grandes, economias complexas, sociedades diversas têm sempre problemas igualmente grandes, complexos, diversos. Não são medidas únicas e simples que resolvem.
Deportações em massa não resolvem a questão das drogas, a violência ou o subemprego. É óbvio, mas não custa lembrar que as drogas, ainda que venham de fora do país, são consumidas por pessoas dentro dele, porque elas só prosperam onde há mercado consumidor para tanto e, se ele continua a existir, vai achar outros caminhos para alcançar o produto desejado. A violência, por seu turno, é um dado sociológico e não depende da biologia ou nacionalidade de quem quer que seja, há inúmeros estudos sérios há décadas que comprovam isso e, se a pessoa tem índole ruim, por que procuraria um país de vigilância severa? O subemprego, por outro lado, é mais fruto da situação econômica geral do país do que fruto de um único fator, além do que, como disse ali em cima, normalmente os imigrantes aceitam trabalhar em condições que os nacionais do país não aceitam.
Embora sejam frutos do raciocínio lógico na análise dos fatos, há pesquisas robustas que demonstram essas conclusões, seja no Brasil ou nos EUA.
Nenhuma dessas razões justifica o extremismo contra os imigrantes.
Mas elas são ótimas como cortinas de fumaças para os problemas verdadeiros de um país ou para as reais intenções dos seus governantes. Elas dividem as opiniões e, divididos, somos menos fortes e coerentes. É também difícil conhecer e compreender as informações necessárias a um debate aprofundado e bem-intencionado. Essas razões nos infundem medo e, por medo, aceitamos premissas equivocadas e que fazem o outro sofrer.
É o outro, não somos nós. Parece mais simples então radicalizar...
E quando falamos em deportações em massa, a situação é ainda pior porque em massa significa em grupo, rapidamente, de uma vez. Nenhuma história ou contexto pessoal é observado, não há tempo para providências, para cuidados com os que ficam, para partir em segurança, não há processo legal possível em tão curto tempo ou em circunstâncias tão desproporcionais de forças...
Então, se alguém me diz que um problema grande de um país complexo é de fácil solução, eu desconfio logo – ou a pessoa não é lá muito inteligente e preparada ou ela acha isso de mim e age de má-fé. Em ambos os casos, não é alguém preparado para discutir ou liderar a solução do problema.
Nunca é simples.
E eu nem vou entrar na questão humanitária, porque embora basilar para mim, pode não ser para outros, e requereria que concordássemos que somos todos, bom, humanos, né? E por isso merecedores de um mínimo de direitos - conceder ou não esse mínimo diz muito mais de nós como sociedade do que do imigrante.
Defendo aqui que mirar no imigrante como causador dos problemas de uma nação e implementar deportações em massa como solução para os graves problemas dos dias atuais não são medidas eficazes e quem as defende ou não sabe do que fala ou age com segundas intenções.
Então eu concluo: Fica esperto. Presta bem atenção no que e em quem você defende. Desconfie. Porque agora os imigrantes são o outro, mas quando um bode expiatório sai, vem outro e assume o seu lugar. Amanhã pode ser a nossa vez.
Como diria Martin Niemöler:
E não sobrou ninguém
Eles começaram perseguindo os comunistas. Eu não protestei, porque eu não era comunista. Depois eles vieram buscar os judeus e eu não protestei, porque eu não era judeu. Aí vieram buscar os homossexuais e eu também não protestei porque eu não era homossexual. Aí então vieram buscar os ciganos e eu não protestei porque eu não era cigano. Depois vieram buscar os imigrantes e eu não protestei porque eu não era imigrante. Depois, vieram me buscar e já não havia ninguém para protestar.
Ou como o poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa, no poema No caminho com Maiakóvski, de 1968:
Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão. E não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
Tempos difíceis requerem de nós prudência e atenção. Sejamos então prudentes e estejamos atentos. E que consigamos deixar de ver no imigrante o outro e passemos a vê-lo como aquilo que ele é: uma pessoa, como nós.
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Obs. 1: Martin Niemöler foi um pastor luterano alemão, um símbolo da resistência contra os nazistas. Existem várias versões desse texto, porque ele é fruto de falas do pastor. Deixo aqui a mais completa que encontrei, por ser muito rica e contemporânea.
Obs. 2: As notícias mudam a cada minuto, mas quando resolvi escrever esse texto, as deportações em massa nos EUA haviam sido anunciadas e implementadas nos primeiros dias do novo governo Trump. Era previsível que viria mais, presumivelmente na surdina. Mas como no poema de Eduardo Alves da Costa, com o tempo, e foi pouco tempo, eles ficam audaciosos e nós com medo. Nos dias que demorei para finalizar o texto foram anunciadas novas medidas de taxação de produtos importados, cortes e bloqueios de fundos de saúde, concessão dos dados de saúde e de pagamentos de todos os americanos ao Elon Musk, fechamento de bibliotecas e atividades diversas relativas à educação, os Correios deixaram de entregar mercadorias vindas da China e uma porção de outras medidas assustadoras.
Diante dos excessos, a sociedade americana vem também se organizando, mas onde a ameaça e o medo são a tônica, é difícil ver caminhos...
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