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ENSAIOS

de escrita, culinária, economia e finanças, bem-estar e reflexões sobre parentalidade

O bom velhinho lá em casa

Foto do escritor: Juliana MachadoJuliana Machado

Atualizado: 22 de dez. de 2024

Alô, desavisados, não leiam alto perto de crianças! (será que alguém lê alto assim?)



Sempre que chega o Natal, invariavelmente eu recebo perguntas sobre o Papai Noel. E normalmente elas não vêm de crianças, menos ainda das minhas filhas.

Não que eu seja uma especialista no assunto, estou bem longe disso. É que a nossa decisão de não estimular a crença no bom velhinho ainda causa estranheza em muita gente por onde passamos. É um tal de o Natal vai perder a magia, não há prejuízo em acreditar nele, o mundo já é tão duro, ou um simples... mas por quê?

Esse último questionamento, aliás, se me pega desprevenida, é conversa para mais de metro. A sorte das pessoas é que ando atenta para não me alongar em divagações não solicitadas. Para isso tenho esse espaço. =)

 

Mas esse ano recebi um questionamento que foi uma novidade. Assim, não é que nunca tivesse sido perguntada sobre algo parecido, mas a forma sincera, objetiva e honesta que ele chegou a mim, me fez refletir bastante.

O que fazer com o Papai Noel?

Seguida de um emoji daquele rindo, porém de nervoso.

A querida que me mandou a mensagem me explicou que o filho é bem pequeno, sendo este o primeiro Natal em que ele reconhece a figura do bom velhinho e sabe que ele traz presentes, mas estava receosa de conversar sobre isso com ele sem mentir, mas também garantindo que o filho não conte a outras crianças que este senhor não existe.

Antes de pensar na pergunta em si, eu na verdade pensei como é bizarro esse mundo em que vivemos em que quem diz a verdade precisa se preocupar com isso, mas quem conta a mentira segue a vida tranquilo e satisfeito. Ela, a querida, não quer mentir, mas não sabe como fazer isso sem que isso cause prejuízos nas mentiras contadas em outras famílias. Louco, né?

Você aí me lendo achou forte eu falar em mentira. Quando eu estava escrevendo, eu também achei e troquei diversas vezes a palavra. Depois pensei que, justamente para ser fiel ao que acredito, aos meus princípios, preciso usar os termos certos, e dizer que existe um velhinho que percorre o mundo todo em uma única noite, dando presentes a crianças que foram boas ao longo do ano é sim uma mentira. E uma das grandes.

 

Assim... qual a utilidade de as crianças acreditarem que existe um velhinho que entra em nossa casa sem nosso consentimento e nos deixa presentes que aliás solicitamos previamente? Você vai dizer: porque é recompensa por um ano de bom comportamento, uma espécie de troca que usamos ao longo do ano para estimular a conduta correta dos nossos filhos.

Aí eu emendo: ah, então o bom comportamento das nossas crianças está sendo trocado por um presente ao fim do ano? Se você considera essa hipótese viável, tudo bem, eu compreendo. Fazemos trocas o tempo todo (vide trabalho X salário). Para mim, no entanto, o bom comportamento precisa ser estimulado porque ele é isso mesmo - um bom comportamento -, e bons comportamentos auxiliam na vida harmoniosa em sociedade.

Veja, se eu me acostumo a pensar que meu bom comportamento receberá uma recompensa ao fim de um período eu esperarei sempre na vida essa recompensa e nós adultos sabemos que em muitos, mas muitos mesmo, aspectos da nossa vida nós agimos corretamente e não somos apreciados, agraciados ou coisa que o valha. Às vezes é bem o contrário. Aí, se não terei recompensa, a boa conduta não se justifica por si só? Posso então ter uma má conduta?

E pensando ao revés, se a criança não recebeu presente algum ou aquele que ela pediu especificamente, quer dizer que ela foi ruim ao longo do ano? Papai Noel não gosta dela? Ou não a viu?

E, pensando ao revés do revés, se a criança recebeu exatamente o que queria, então ela tem a chancela do Papai Noel de bom comportamento? Está tudo certo com ela e ela pode seguir sendo do jeitinho que ela é? Que risco colocar o nosso valor na avaliação de outros, né?

Para além dessas perguntas mais desafiadoras, eu me pergunto se vale o esforço e as mil teorias sobre como o velhinho consegue entregar todos os presentes numa única noite, quem ajuda ele, como ele faz para produzir tudo em tão pouco tempo, o que ele faz no resto do ano, porque não traz presentes para os adultos, porque ele pode entrar na nossa casa e outros estranhos não, porque tantas crianças não ganham presente, o que acontece com aquelas que não acreditam no Natal, quem é o Papai Noel do shopping, que dinheiro ele tem, e tantas outras perguntas muito dignas que ouvi de várias crianças ao longo da minha vida.

Haja criatividade!

 

Eu sei, eu sei. Existem aspectos bons nessa crença. Tem gente que acredita que estimula o respeito aos mais velhos, a capacidade de esperar, lidar com a frustração quando não recebe o que pediu ou quando descobre a verdade. Nada, na minha cabeça, justifica mentir. Existem maneiras bem mais simples e práticas e eficientes e úteis de estimular tudo isso de outra forma, sem brincar com a confiança absoluta que a criança deposita em nós adultos.

 

Eu teria diversos outros senões para falar sobre o assunto. Poderia dizer sobre o consumismo que a figura do Papai Noel carrega, as histórias macabras que alguns tantos dizem ser a origem verdadeira do mito, a pressão feita sobre as crianças e se elas ganharam ou não o que pediram, ou se falam ou não com o senhor do shopping, mas vou parar por aqui.

 

Para a querida que me escreveu eu não disse nada disso, rs.

Para ela eu disse que temos dois princípios singelos na educação das nossas filhas e ambos não permitem mentiras. Aqui em casa, eu disse a ela, não mentimos nunca, nem sobre essas coisas. Não tem Papai Noel, mas também não tem fada do dente, coelho da Páscoa, monstros etc.

Mas você percebeu que lá em cima no texto eu disse que não estimulamos a crença no Papai Noel? Pois é, é porque isso não foi um assunto, uma questão lá em casa, não houve uma reunião nossa para abordarmos o tema.

Quando a primeira referência veio (quando partiu delas o interesse), explicamos a lenda por trás do bom velhinho, reforçamos que ele dava os presentes em homenagem a Jesus, o aniversariante da data, mas que hoje em dia cada papai e mamãe ou adulto responsável dão os presentes para os filhos e que isso é lindo.

Nunca deixamos de levá-las para ver o Papai Noel do shopping, também não criticamos quem fala dele para elas. Elas sabem o que basta e isso não tira a beleza da data, como elas também sabem que pessoas com superpoderes não existem, que Star Wars não aconteceu de verdade, que o arco-íris é lindão mas não tem um pote de ouro ao final e que a Moana não precisa carregar o mundo em suas costas. Ainda assim elas curtem tudinho.

 

Ah, e sobre as outras crianças, a questão que parecia principal para a querida que me escreveu, eu diria que cada qual com seus problemas. Brincadeira. Bom, com as nossas meninas nós explicamos inclusive isso: existem crianças que acreditam nele de verdade e não cabe a vocês dizer que é mentira – cada família tem suas regras e suas histórias e nós respeitamos isso. Até agora tivemos zero problema com isso. Confesso uma certa tensão quando a data se aproxima.

No fim, concluí com ela, não é uma questão de certo e errado, mas do que se adequa a cada família e a cada criança. Se no centro dos nossos corações estiver de verdade o interesse em ajudá-las e bem educá-las tenho certeza de que o resultado será positivo.

 

Bom Natal a todos!

Que sejam momentos de amor e paz na casa e no coração de cada um!

 

 

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Obs. 1: A opção por ser verdadeira tem seus desafios. Uma vez minha mais velha me confessou que preferia acreditar que o Papai Noel existia... cortou meu coração, mas é a vida.


Obs. 2: Tivemos zero problemas sobre elas falarem do Papai Noel especificamente, mas não é sempre assim, tá? Não tem mágica. Na eleição presidencial passada (2022), algumas conversas nossas foram parar em sala de aula e aí já viu, né? Jardim de infância polarizou! Rs. Uma história linda, que conto outro dia.


Obs. 3: Nossos princípios? Ah é, eu não disse, né? Fica para o ano novo.


Obs. 4: Aqui tem um texto bem legal sobre como tornar essas datas mais agradáveis para as crianças. Acrescentaria apenas o cuidado com fogos de artifício barulhentos demais. É do Lar Montessori, fonte riquíssima de reflexões.


E se essas reflexões sobre consumo e Natal e crianças te interessam, dá uma olhada nesse texto aqui.

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