08 de março é um dia político.
Ela chegou empolgada da escola. Ali mesmo no carro, voltando para casa, contou que estudou que o dia das mulheres seria no dia seguinte e que os meninos haviam prometido massagens, favores e carinhos. Expliquei que aquele era mesmo um dia especial e não só pelos mimos e ela quis entender o porquê.
- Filha, você sabia que há um tempo atrás nós mulheres não podíamos fazer as coisas que os homens fazem só por sermos mulheres?
- Sério, mãe? Só por sermos mulheres? Tipo o quê?
- Tipo estudar, ter algumas profissões, votar...
- Não podia votar, mãe?
- Não, filha... já imaginou se fosse hoje? O seu pai ia poder votar, mas eu não...
A votação tinha sido um tema bem conversado em casa fazia pouco tempo por causa das eleições para presidente de 2022 e toda a confusão que foi. Fizemos até uma eleição simulada em casa, para que ela compreendesse o conceito. Então ela entendia a importância daquela proibição às mulheres. A comparação entre as possibilidades que o mundo oferecia ao pai, mas não a mim (e consequentemente a elas) a chocou.
- Mãe, se fosse hoje eu ia brigar com quem teve essa ideia. Sério, mãe, eu ia lutar para que a gente pudesse votar!
- Então, filha, o 8 de março marca um dia em que as mulheres lutaram muito pelos nossos direitos. E elas conseguiram! Hoje nós podemos votar com tranquilidade e fazer várias outras coisas por causa da luta dessas mulheres.
- Nossa, mãe, elas foram corajosas...
- Foram sim, filha. Temos que honrar a lembrança delas. Hoje nós temos os mesmos direitos que os homens, podemos fazer tudo o que eles fazem. Mas a sociedade ainda não vê algumas coisas como boas, então ainda tem muita diferença entre como os homens e as mulheres são tratados.
- Como assim, mãe?
- Bom, por exemplo, se o seu pai quiser sair sem blusa na rua, ele pode e ninguém vai falar nada. Ele não gosta de andar sem blusa, mas se ele quisesse, poderia. Mas se eu ou você quisermos sair sem blusa, não podemos. Vão olhar feio para a gente e talvez sejamos até presas por isso, mesmo isso não sendo um crime de verdade.
- Mãe, eu nunca vou andar na rua sem blusa, eu prometo.
- Tá certo, filha. Mamãe e papai vão sempre ensinar o que é certo a você e sua irmã, vamos ensinar os seus direitos também, mas também o que a sociedade aceita ou não. Porque quando você crescer, meu amor, a decisão será sua de como agir. Nós vamos estar do seu lado, mas a decisão será sua.
- Tá bom, mãe... (calada uns instantes) Mãe, será que existe o dia do cachorro-quente e da pizza?
- Eita, filha... não sei... tá a fim de comer isso?
- Não, só queria saber mesmo...
- Essa eu não sei, filha. Mas podemos pesquisar mais tarde.
Dormimos.
No dia seguinte, o aguardado 8M, ela acordou muito alegre e empolgada e foi direto ao pai:
- Bom dia, pai!
- Bom dia, filha!
- Tá esquecendo de nada, não? Hoje é dia das mulheres! Tem que me dar parabéns!
- Ah, muito bem. É mesmo. Parabéns, minha filha!
No café da manhã, ganhei presentes como manda o figurino. Mas ela ficou esperando o dela e não teve. Ela ficou chateada, disse que tinha direito, que mulheres não eram só as adultas. O pai ficou numa saia justa, mas aí na hora não havia o que fazer...
Eu sorri, feliz até com a postura.
Mas quando o pai saiu e o assunto retornou, eu disse:
- Filha, presentes, assim como amor, nós não exigimos dos outros. Se você acha que está merecendo um presente por ser mulher e ninguém te deu um, então você mesma deve garantir a sua satisfação. Muitas vezes eu mesma me dou presente, sabia?
- Mas mãe, eu não tenho dinheiro...
- E quem disse que para presentear a gente tem que ter dinheiro? O que você quer ganhar? Será que a gente não consegue fazer aqui em casa?
Lembrei que ela estava empolgada com os mimos que os amigos prometeram e fizemos então um spa, incluindo os presentes que havia acabado de ganhar do pai. Teve hidratante, massagem, pintura de unhas, cabelo e maquiagem. Cuidei, mimei, presenteei as minhas futuras mulheres para que elas se sintam especiais como são e saibam se valorizar de verdade.
E no meio da brincadeira eu me emocionei ao perceber tudo aquilo que pude refletir e construir com minhas filhas ainda tão novas, coisas que eu mesma ainda nem sei bem, só estou aprendendo...
Por isso é que eu digo: tem muita luta pela frente, mas vejo luzes fortes e lindas chegando no horizonte!
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Obs. 1: Cecília nesta data tinha 5 anos e o diálogo foi bem assim mesmo.
Obs. 2: No fim do dia, ao receber o relatório da escola, li feliz o comentário da professora que dizia que Cecília estava MUITO empolgada com o dia das mulheres, assim mesmo, em letras maiúsculas. Ela me informou que a minha pequena contribuiu muito para que todos entendessem o significado da data e da luta e que ela (a professora) tinha se emocionado com o que ela disse. No fim, me agradeceu a parceria.
Eu é que agradeço, Miss! Pelo seu exemplo e pelas conversas que você inicia aí e eu continuo por aqui. Juntas somos mais fortes!
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