Aqui no meu condomínio tem uma horta comunitária. Essa foi uma das razões pelas quais eu quis mudar para cá. Bom, não a horta propriamente dita, mas essas pequenas possibilidades de desacelerar o dia e ter um contatinho a mais com a natureza. Ter espaço, ter respiro. Eu não sou lá uma pessoa natureba, bicho-grilo e coisa e tal, mas com o passar dos anos e uma quarentena depois, tenho valorizado cada vez mais essas possibilidades.
A horta é bem perto do meu prédio, linda, em forma de mandala. Consigo vê-la da minha varanda e de vez em quando ela era anunciada nos grupos do condomínio – as ervas da temporada, novos temperos, dicas, puxões de orelha. Adoro. Mesmo assim foram meses até a minha primeira colheita. Mas eu fui.
Fiquei deslumbrada ao chegar perto. Tinha tanta coisa que gosto! Orégano, cidreira, vários hortelãs, cebolinha (coentro não, porque aprendi que ele não é bom para hortas assim, porque tem que tirar o pé inteiro sempre), manjericão, e por aí vai. Vi um capimzinho meio ralo numa das pontas, meio sem vida, sem brilho, mas me pareceu familiar. O cheiro não era forte, mas rápido identifiquei o capim limão da infância, para alguns, o capim santo. Sorri.
Peguei um monte, meio descrente dada a aparência do dito cujo.
Chegando em casa, avisei: vou fazer chá. Peguei o capim, lavei, cortei, preparei. Água no fogo, capim na panela, fui fazer alguma outra coisa nesses minutos. Passado o tempo, um cheiro incrível invadiu toda a minha casa. Um cheiro de infância, de cuidado, de bem-querer. Voltei para a cozinha e fiquei ali um tempo, aproveitando aquele cheirinho de memória boa.
É que esse chá a minha avó servia para a gente quando a gente era criança miúda. A vovó era dessas senhoras respeitáveis, do tipo que você cumprimenta, no meu caso pede a benção, e sai de perto. Não que ela não gostasse de criança, fosse mal-humorada ou braba, bem ao contrário na verdade. Mas é que não tinha muito espaço para crianças perto dela, ainda mais do tipo barulhento tipo a gente. Mas ela nos servia chá, olha que coisa!
Ela tinha uma hortinha na laje da casa dela que ela mesma cuidava. E toda vez que a gente ia na casa dela no fim da tarde depois da escola, ela separava umas ervinhas para fazer chá. Ela nos colocava na mesa central da cozinha, separava as xícaras de adulto, tascava-lhes boas colheradas de açúcar e nos servia. Eu me sentia tão importante. E querida. Quando estava muito quente o chá, ela derramava ele no pires para esfriar mais rápido porque as crianças nunca têm tempo a perder – porque esperar esfriar lentamente se você tem um jeito de fazer isso mais rápido, não é mesmo? Eu também tinha pressa, mas adorava aquele ritual. Amava o chá docinho também, mas era o ritual que me encantava.
Me encantava ver aquela mulher guerreira, já tão velhinha, vinda do interior do Amazonas, que já tinha cuidado de tanta gente, trabalhado tanto, cuidando com gosto também da gente, à maneira dela. Ela fazia tudo lentamente e fazia questão de ser ela mesma a preparar tudo. Tem coisas que tem um jeito certo de fazer e pronto, dizia ela.
E esse ritmo devagar, que me desacelerava um pouco também, me ajudava a observar cada detalhe, cada movimento, cada etapa do preparo. Longe de ser requintado como o oriental, mas igualmente encantador.
O tempo passou, a gente mudou de cidade por uns anos. Na volta, vovó estava bem mais velhinha (chegou aos 106, acredita?) e não fazia mais os chás, já não fazia na verdade quase nada. Eu também já era adepta dos sachês, que nem de longe tinham o encanto e o sabor dos chás da vovó, honestamente nem saúde. Mas foi como eu consegui seguir com esse gosto adquirido dela.
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Aquele cheirinho pela minha casa me lembrou tanto esses momentos com a minha vó... o cuidado, o carinho, a ausência de pressa, o jeito certo de fazer certas coisas...
Eu ia tomar aquele chá com meus complementos, encher de própolis, limão e coisa e tal. Mas e o que faz com a saudade daquele gostinho doce de infância?
Olhei minha caneca (não tenho xícaras de chá de adultos na minha casa), sorri para o horizonte pela janela da cozinha. Coloquei o açúcar e nada mais sem culpa e fui beber devagarinho, apreciando a minha janela. Dispensei só o pires, uma ideia realmente sem sentido.
Obrigada, vovó. Pela casa, pelas bênçãos, pelos chás, pelos cuidados e pelas memórias e valores que, se Deus quiser, passarei às minhas crias também. Do jeito que deve ser.
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Obs. 1: Claro que quando a gente tomava o chá do pires geralmente rolava uns derramamentos para fora. Aí a gente sabia que vinha bronca e talvez até um fatídico puxão de orelha literal. O tempo era o de correr para bem longe! Rs. Só até o próximo chá.
Obs. 2: Rolava também umas torradinhas maravilhosas, mas aí era a tia que fazia – já é outra memória!
Obs. 3: As fotos são ilustrativas: nem era assim a xícara da minha vó, nem eu sei se esse capim é o limão e faz tempo que não pinto as unhas de vermelho. Outra saudade, outra história!
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